Auto de uma Torre Ocupada
(nao olheis o que dizem , mas o que fazem)
Peça para tres Personagens
Fala da Sala : Comecei a ser observada e medida, da cabeça
aos pés. Minhas bordas em granito rosa claro, o rodapé que
normalmente suscita suspiros evocadores, foi visto com incomoda indiferença.
As doze janelas que circundam minhas paredes foram avidamente atravessadas
de um olhar ao mesmo tempo curioso e sonhador. Ah, posso advinhar pensamentos
pois minha paredes guardam a memoria de tantas açoes…C’est si loin
…..Durante varios dias fui visitada. Ainda posso sentir os primeiros passos
hesitantes que tocavam meu chao de madeira com metade do pé. Senti
que iria ser dançada, ou melhor, eu seria o lugar de um tipo de coreografia
que se desenvolveria no nivel abaixo das janelas, a meio corpo. O piso de
madeira foi inteiramente recoberto de uma lona preta. O que se chamaria
minha base ficou impermeavel, recoberto pelo feltro, recolheu-se no calor
e na noite. Meus olhos, permaneceram abertos para receber o ar da primavera.
Por eles entrou muita luz que mergulhava nos panos cada dia mais escuros.
Ocupada, eu acolhia enquanto os sons da cidade me atravessavam.
Fala dos Panos : Somos sete, comoos dias da semana.Fomos
desembalados, esticados e superpostos em forma de cruz. Primeiro nos recebeu
o feltro macio. Depois fomos marcados por coisas colantes, como curativos.
Objetos organizados em trouxas ou rolos, sujos de tinta, terminaram por
macular nossa brancura. Sentiamos cada poro penetrado por uma substancia
fria e odorosa. Ficamos assim expostos a intempérie enquanto o ar
quente e umido vinha acariciar nossa extensao. Secavamos e éramos
molhados e manchados todos os dias. Fomos sendo movimentados, deslocados,
e o que chamamos de curativos, ocupavam novas posiçoes desenhando
uma estranha e profunda constelaçao, cada dia éramos mais
noite. Monticulos de sal branco e caustico, foram cuidadosamente dispostos
em pontos da nossa superficie. O peso nestas zonas frias, com que ficassemos
mais proximos até quase a dissolucao. Fomos cuidadosamente tocados
e duramente atacados. Naufraguando em matérias liquido-viscosas,
iamos aos poucos revelando as marcas de açoes fisico-quimicas. Eramos
puro tempo.
Fala dos Rolos : Fomos cuidadosamente dobrados e configurados
com as maos para sermos cingidos. Abraçcados quotidianamente por
dedos finos, éramos mergulhados sem hesitaçao em sem uma substacia
escura, liquida e fria. Absorviamos, deixando na base poro pigmento mineral.
Eramos sucessivamente percutidos e novamente molhados. Quando nao estavamos
sendo usados, ficavamos solenemente organizados, nas bordas da sala, como
espectadores mudos. Habitava-nos porém, a consciencia de sermos também
protagonistas. Produziamos alguns sons, murmurios abafados e agitados, quase
gargarejos. Tocando, éramos também tocados. Jogavamos entre
nos para adivinhae qual seria o ùltimo toque. Voltaramos a condiçao
de trapos ou viveriamos mais uma vez na gloria de servir ? Enrolados, mudos
ou vigorosamente manipulados, colhiamos todos os dias e devolviamos aos panos
esticados, a ansia toda do que pode ser chamado existir.
Maria Ivone Dos Santos
Artiste plastica.
Professora di Instituo de Artes da UFRGS.